quinta-feira, 1 de dezembro de 2011

Deveria ser como uma chuveirada



Eu estou apaixonada mas não é por uma pessoa. Estou apaixonada pela lembrança de algo leve, solto e rápido, como uma bola de gás que escapa da nossa mão e passa a ficar cada vez menor e mais distante. Estou apaixonada pelo impacto da vida, por um tiro certeiro e bem mirada, pelo arrebatamento provocado pelo descuido das minhas defesas.(...)
Um homem diz que você é linda, espetacular, a pessoa mais interessante que ele já conheceu e você, se tiver o miolo mole e vários anos de casada, acredita.

Talvez lembre de mim como uma mulher vivida, descolada, que lida bem com relações descartáveis, logo eu que odeio copos de plásticos, canudinhos, tudo que não dure.

Não gosto de nada que é raso, de água pela canela. Ou mergulho até encontrar o reino submerso de Atlântida, ou fico à margem, espiando de fora. Não consigo gostar mais ou menos das pessoas, e não quero essa condescendência comigo também.

Achei que ao chegar à meia idade seria presenteada com uma coisa que vale ouro: letargia cerebral. Jurava que depois dos 40 anos iria sossegar o facho. Teria as mesmas necessidades que os outros, pensaria como os outros, me enquadraria num comportamento aceitável.

Porque o banho é um ritual rotineiro e sexo não? Por que o sexo tem que vir com garantias de amor, reciprocidade, atestado de saúde, carteira de identidade? Sexo deveria ser como uma chuveirada. Uma gargalhada.

Divã 
(Martha Medeiros)